Um sonho pode custar 10 milhões de dólares ou apenas alguns poucos reais; ser um objeto de desejo ou um simples momento de calmaria; um carro superesportivo no autódromo mais cobiçado do mundo ou um veículo popular numa estrada qualquer do Brasil. Um sonho é sempre um sonho, não importa a sua dimensão, custo ou que é necessário para que se torne realidade. Mas, por que estou falando disso? Vou explicar... No último final de semana tive o prazer de realizar um sonho gearhead: de 'férias' em Florianópolis (Santa Catarina), dirigi até a Serra do Rio do Rastro, local conhecido por abrigar uma das estradas mais deslumbrantes do planeta; são mais de 11 quilômetros de rodovia recheados com 284 curvas, subidas íngremes e mata atlântica por todos os lados. De tão bela, a Rio do Rastro é sempre assunto em artigos internacionais, inclusive em abril passado apareceu numa notícia da agência britânica The Guardian, que elencou as dez rodovias no mundo com vistas mais deslumbrantes e estradas sinuosas (leia aqui). “Um cenário espetacular do começo ao fim”, disse o jornalista Will Coldwell.
Eu estive por lá e vou contar a vocês, a partir de agora, os principais pontos da minha experiência de dirigir no trecho da SC-390 que dá acesso ao topo da Serra do Rio do Rastro - a 1460 metros de altitude. Como sei que muita gente pretende conhecer o local, separei alguns detalhes de como foi a viagem saindo de Florianópolis (SC), as estradas que passamos e outras informações que podem ser úteis para vocês. Vamos lá...
Caindo na estrada
Acordei por volta das 5h do sábado, enchi o tanque do carro e às 7h eu já estava saindo da capital catarinense. Em pleno inverno, fui presenteado pela natureza com um belíssimo dia: o clima estava frio, mas o céu completamente limpo. Isso significa que a vista na Serra do Rio do Rastro estaria impecável. Pura sorte! De cara, logo no começo do passeio, peguei um belo nascer do sol na grande Florianópolis (não tirei fotos pois estava dirigindo). Optei pelo seguinte itinerário: BR-101 > SC-390 (Serra do Rio do Rastro), sempre assessorado pelo abençoado GPS.
Na maior parte da BR-101, o limite de velocidade é de 110 km/h para veículos leves e 90 km/h para veículos pesados. Entretanto, há um trecho controlado com mais cautela: no Morro dos Cavalos, em Palhoça, o limite de velocidade é de 60 km/h. O motivo de tanta precaução? Essa passagem da BR-101 ficou conhecida pelo seu alto índice de acidentes. Tirando isso, o restante do trajeto até o início da SC-390 é bem tranquilo. Lembrando que há um pedágio entre Florianópolis e a Serra do Rio do Rastro, em que você paga R$ 1,90 (veículos leves) em cada passagem por lá. A praça é administrada pela Autopistas Litoral Sul e fica localizada entre Palhoça e Paulo Lopes.
Antes de chegar a SC-390, desviei o trajeto por 26 km (via SC-370 e SC-435) com destino à Armazém, uma cidade serena - daquelas que você quer aproveitar sua aposentadoria - com cerca de 8.000 habitantes. Lá peguei um amigo, o José Volney, para me acompanhar na subida ao topo da Rio do Rastro. Posso dizer que o "Zé" foi o meu guia durante o passeio por toda a serra. A partir daí, saímos de Armazém e cortamos pelas vias SC-370 e SC-108, passando por Gravatal, São Ludgero, Orleans, até finalmente chegar a Lauro Muller, onde está localizada a Serra do Rio do Rastro. Agora que chegamos ao pé da serra, enfim vamos à subida... Mas espera só um pouquinho, que antes eu vou contar a vocês qual foi o carro que nos acompanhou nessa empreitada. Algum palpite?
Como acabei planejando a viagem de última hora, tive pouco tempo para organizar as coisas, e no que diz respeito ao carro, fiquei somente com duas opções: um Volkswagen Voyage 1.0 Trendline e um Fiat Uno 1.0 Vivace. Sem pestanejar, optei pelo hatch italiano. E sabe de uma coisa? Ele se comportou tão bem, que recebeu até um apelido carinhoso: "o guerreiro".
Taca-le pau neste Uno! Hora de subir a Serra do Rio do Rastro
Não posso dizer que a subida foi fácil para "o guerreiro", mas ele se mostrou um bom companheiro de estrada. Tudo era tão encantador, que sequer me dei conta da ausência da direção hidráulica, da timidez do motor 1.0 de 75 cv ou da quantidade de vezes que fiz uma mudança de marchas. Por ser um trajeto tão apertado, em raras ocasiões você chega a utilizar a 4ª marcha do veículo; por outro lado, a 1ª marcha é chamada para à ação em vários momentos.
As 284 curvas da Rio do Rastro, algumas em 180˚, estão organizadas em pouco mais de 11 quilômetros de concreto, o que significa que dirigir ali é participar de um prazeroso zigue-zague. Além disso, há momentos de subidas bem íngremes; em alguns trechos, a rodovia avança 670 metros de altura em apenas oito quilômetros de extensão. Ou seja, a cada curva uma paisagem surpreendente se revela, seguido por um sorriso de encantamento partindo de mim - e do "Zé" também. Vale lembrar que em 80% do tempo a SC-390 que corta a Rio do Rastro não conta com acostamento, exigindo atenção redobrada de quem está ao volante (todo o percurso conta com uma mureta de 1 m de altura). Em compensação, em algumas curvas há um mirante, onde é possível fazer uma parada rápida para fotografar trechos específicos da serra (veja imagens abaixo).
Depois de colocar o Fiat Uno 1.0 à prova por toda a subida da Rio do Rastro - sempre com muita cautela -, finalmente, por volta das 12h30, chegamos ao topo da serra, a quase 1.500 metros de altitude. Naquele momento, a sensação era de satisfação imensa - afinal, eu havia dirigido por uma das estradas mais deslumbrantes do planeta. Encostamos "o guerreiro" no estacionamento do mirante da Serra e fomos apreciar a paisagem.
Mirante da Serra do Rio do Rastro, localizado a cerca de 1460 metros de altitude
Como citei no início do texto, a natureza foi extremamente generosa conosco: mesmo em pleno inverno, o dia esteve limpo durante todo o passeio, proporcionando uma vista espetacular do alto da Rio do Rastro. Lá de cima a gente curtiu um visual impecável da SC-390 que rasga as encostas pedregosas da Rio do Rastro e uma deslumbrante paisagem de várias cidades do litoral catarinense. Enquanto o visual encantava, o frio insistia em incomodar um pouco. Às 13h, no mirante da Serra do Rio do Rastro a temperatura era de 3˚ e a sensação térmica beirava os -2˚. O vento deixava a situação ainda mais complicada, e após 20 minutos as minhas mãos já estavam começando a queimar. Para fugir do frio, eu e o "Zé", meu fiel companheiro de viagem, decidimos ir até um dos aconchegantes restaurantes instalados no mirante da serra. A pedida não podia ser outra: um chocolate quente encoberto por Chantilly.
Logo após a parada, aproveitando que já estávamos ali, seguimos viagem com destino a São Joaquim, a cidade mais fria do país. Da Serra do Rio do Rastro até lá são cerca de 55 km; o asfalto não é lá um tapete, com muitos remendos e buracos, mas a paisagens que te acompanham no passeio fazem tudo valer a pena. Um belo riacho margeia alguns trechos da estrada e a vegetação e relevo são incríveis. Se possível, eu teria parado o carro a cada 1 km para fazer uma foto. Vale a pena fazer esse percurso com muita calma.
Em São Joaquim, onde a temperatura é negativa em algumas épocas do ano, inclusive com neve, pegamos cerca de 5˚. Ficamos pouco tempo nesta pacata cidade, caindo na estrada de volta à Serra do Rio do Rastro após cerca de 1h.
Praça João Ribeiro é parada obrigatória em São Joaquim, a cidade mais fria do país
Um belíssimo riacho margeia alguns trechos entre Bom Jardim da Serra e São Joaquim
Voltando a Bom Jardim da Serra, onde está localizada o topo da Rio do Rastro, eu mal sentia estar dentro de um veículo de entrada que custa em torno de R$ 25.000. A posição de dirigir continuava agradável mesmo após várias horas a bordo do Uno 1.0 Vivace. As paisagens estavam me servindo como doses de injeção de ânimo, e nada ali seria capaz de incomodar.
Por volta das 16h chegamos novamente à Serra do Rio do Rastro. Fizemos mais uma parada no mirante, onde nos despedimos daquele visual inesquecível e registramos as últimas fotos. Como o dia já chegava ao fim, a temperatura estava ainda mais fria do que na primeira parada, e antes das 17h pegamos a SC-390 para descer a serra. Agora, coloquei a GoPro na ponta do capô do "guerreiro" para deixar tudo documentado.
Descendo a Serra do Rio do Rastro
Na hora da descida, a minha maior preocupação era em relação aos freios - no Uno 1.0 Vivace são os dois dianteiros a disco ventilado, e os dois traseiros a tambor. Por conta das íngremes 284 curvas que regam a serra, o acionamento constante dos freios poderia causar a fadiga do sistema por aquecimento. Para driblar isso, a solução é simples: fazer uso do freio-motor. O fiz. A cada trecho mais lento eu reduzia uma ou duas marchas e deixava o carro seguir pela descida, dando apenas toques moderados no freio. Se na subida o clima era de tranquilidade total, na descida a dimensão ficava um pouco mais aterrorizante. Já anoitecendo, a cautela precisava ser redobrada. De um lado da pista, um imenso paredão rochoso; do outro, um precipício que ia escurecendo aos poucos. Com os faróis acesos em tempo integral, seguimos tranquilamente, fazendo sempre a mesma sequência: freio-motor > toque no pedal de freio > contorna a curva. Tudo estava seguindo perfeitamente em paz, até que...
Como há curvas extremamente fechadas ao longo da Serra do Rio do Rastro, alguns caminhões acabam tendo que invadir a pista oposta para completar a manobra. O recomendável é que você tente visualizar, antes da curva, se vem algum veículo pesado no sentido oposto. Caso sim, pare um pouco antes da sinuosidade e dê preferência para a passagem dele. O que aconteceu conosco? Estávamos entrando numa curva a uns 30 km/h, quando vi que um caminhão ia invadir a nossa pista; a fim de evitar a colisão, reduzi a velocidade e joguei o carro para uma pequena área externa da pista. Quer saber o quão perto ele passou do Uno que estávamos? Por sorte, ficou tudo registrado em nossa câmera. Assista:
Passado isso, só nos restou seguir a descida (com ainda mais cautela) e apreciar o restinho do que a Serra do Rio do Rastro nos proporcionava. Após chegar ao pé da serra, pegamos a estrada de volta para a cidade de Armazém, onde deixei o "Zé". Dali, dirigi para Florianópolis, encarando mais 200 km de pista - ainda com o sorriso no rosto e achando o Uno 1.0 Vivace o carro mais confortável do mundo. Prazer. Puro prazer. É isso o que você sente ao realizar um sonho. Espero voltar à Serra do Rio do Rastro em breve.
Apoio: Rede de Postos Imperador - Santa Catarina
